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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Amanhã #Contos



Amanhã!

Lá ao longe, sob os últimos raios de sol, da sacada da sua casa ela consegue ver uma casinha verde. Sempre iluminada e cheia de vida. Com um suspiro forte escuta a televisão que estava ligada e o locutor gritar “gol” para o time de sua cidade.
Ele a olha com um sorriso largo no rosto, como se o mesmo tivesse feito àquele gol. Instantaneamente ela retorna o sorriso e olha para o sol novamente, já se pondo por trás das montanhas à sua esquerda.
É apenas mais um domingo, onde nada de errado aconteceu, apenas um domingo tranquilo em uma vida regular, de uma pessoa que trabalha de segunda a sexta-feira, possui uma casa aconchegante para morar e uma cama quente para dormir.
“É, amanhã começa tudo de novo”
Ela pensa, já rindo dos comentários comuns que irá encontrar nas redes sociais de como é difícil acordar na segunda-feira de manhã.
Ela termina de arrumar as coisas na cozinha, o jogo acaba, eles se sentam no sofá com a televisão ainda ligada, porém sem assistir nada, enquanto ele está em seu celular e ela no dela. De repente já são onze da noite e se faz necessário deitar logo, senão, nem as usuais 6h de sono ela vai conseguir.
-Você não vem?
-Já, já.
E assim ela se deita sozinha, com o sono já consumindo todo o seu ser.
O quarto está escuro, o ventilador fazendo a cortina balançar para lá e para cá com a serenidade de mais um domingo normal. Regular. Bom? Talvez. Ótimo? Não mesmo. Regular, apenas isso.
Ao fundo o apito da chegada de uma mensagem de texto, mas não é em seu celular. Ela abre os olhos e já se passaram 30 minutos. Mais uma mensagem. E seu coração acelera, aparentemente sem motivo nenhum. Ela tenta fechar os olhos para voltar a dormir, sem sucesso.
“E se eu contar até dez”?
Doce ilusão.
Uma raiva inesperada e arrebatadora atinge seu ser de uma forma incontrolável, ela respira fundo algumas vezes. Nem sabe ao certo quantas e se levanta para tomar um copo d´água. Ele ainda está no sofá com o celular na mão, conversando sabe se lá com quem.
“Amanhã a gente conversa”.
Ciúmes? Não! Definitivamente não é ciúmes, ela não sabe explicar o que é, mas nem consegue olhar para ele direito, toma sua água e volta para a cama, novamente tentando em vão voltar a dormir. Já é uma hora e ainda está sozinha na cama.
“Porque ele não vem deitar comigo? Se ele viesse eu ficaria mais tranquila”.
Pois bem, alguns minutos depois ela escuta ele desligar a televisão e entrar no quarto escuro. Seu coração bate mais tranquilo, agora sim, ele vai ficar com ela, a abraçar até dormirem como o casal apaixonados que são, correto?
Pfff
Não, é claro que não. Isso não é um conto de fadas!
Ele desliga o ventilador ligando o condicionador de ar, fecha as portas e cortinas e deitando ao seu lado, pega o celular novamente sem se dirigir a palavra a ela. “Mas que raios”?
Ela sabe que ele faz isso todas as noites: olha as notícias no Twitter, envia alguns “memes” no grupo dos amigos referente ao jogo de domingo até sentir sono e dormir, quase como aquelas pessoas que leem algumas páginas de um livro antes de dormir.
Mas naquela noite isso a irritou mais do que o normal e então a raiva voltou em seu coração, fazendo com que todo o seu corpo começasse a coçar, como se mil formigas estivessem passando por sua pele. Tudo que ela queria era um abraço de boa noite.
“Calma aí”. Ela começou a pensar. Isso acontece todos os dias e não é legal. Com quem ele fala que não pode falar com ela? Afinal de contas eles estavam deitados na mesma cama. Ela abre os olhos para o teto quase escuro e a luz fraca da tela do celular dele a irrita ainda mais.
“Amanhã a gente fala sobre isso, ele precisa saber que eu não gosto”.
A cama não é lugar de discutir, nem de brigar. Deveria ser um espaço de paz! É domingo, está tarde, melhor evitar qualquer discussão hoje, amanhã temos que acordar cedo para trabalhar.
Seria mais fácil se os pensamentos entrassem em um acordo com o seu coração, que estava ficando cada vez mais pesado. O quarto começou a ficar pequeno, como se faltasse oxigênio e ele ainda não se dirigiu a palavra a ela.
Com os pulmões latejando ela levanta pisando forte os pés no chão, sai do quarto fazendo questão que ele a visse e saiu daquele cubículo sufocante para fazer alguma coisa útil. Arrumou as coisas para o dia seguinte, pegou os fones de ouvido e ligou uma música tranquila e relaxante.
Que por acaso não estava adiantando nada e agora o sono era inexistente. Tomou mais um copo de água e sentiu uma brisa fresca vir da varanda aberta. Seguiu naquela direção e avistou a casinha verde ao fundo, com apenas uma luz acesa. “Acho que eles esqueceram de apagar” ela pensou.
Então o vento aumentou e em segundos só se via um borrão iluminado ao fundo, de uma tempestade de estava vindo exatamente daquela direção, parecia que todos os seus sentimentos condiziam com as nuvens escuras que se aproximavam..
As árvores começaram a balançar forte e então ela não sentia mais raiva, era um sentimento de solidão. Tristeza talvez. Com as mãos apoiadas sentiu as primeiras gotas da chuva que estava para chegar, ainda com o coração esperançoso de que ele viria ao seu encontro.
A chuva chegou forte, fazendo o silencio da noite ser substituído pelo barulho da chuva caindo forte no chão, nos telhados, nos carros e molhando tudo que estava abaixo dos céus. Àquelas gotas geladas caiam serenamente em suas mãos e uma solitária em uma bochecha.
Uma única gota gelada para então se misturar com as gotas quentes e salgadas que seus olhos despejaram sem pedir permissão. Ela não queria chorar, sua vida era perfeita.... Pelo menos aos olhos dos outros.
Ela aumentou o volume da música, mas ainda assim conseguia escutar a chuva, que agora caía muito mais forte que antes, fechou as janelas que poderiam estar abertas, para evitar que os cômodos se molhassem também e agradeceu que pelo menos agora não estava mais tanto calor.
Seu rosto agora estava seco novamente, seu peito não estava mais pesado, mas o sono agora era nulo e o coração vazio de sentimentos. Não havia raiva. Não havia ódio. Não havia tristeza.
Assim como não havia paz. Não havia tranquilidade. Não havia felicidade.
A chuva passou e ela continuou olhando para fora, onde se podia ver novamente a casinha verde ao fundo, no silencio da madrugada daquela segunda-feira que agora, só faltavam 3 horas se sono se ela conseguisse dormir naquele exato momento.
Ela olhou para trás, pois pensou ter ouvido um barulho e até sorriu, afinal poderia ser ele vindo perguntar: “Tudo bem? Você não vem dormir? Esta tarde”. Mas não era ele e ela continuava sozinha.
Em um mundo cheio de gente, em uma casa aconchegante, com um emprego bom, com amigos leais, porém ainda sozinha. Será que aquilo que era ser adulto? Afinal de contas ela evitou uma briga, aparentemente sem motivo para o bem de todos, certo?
“Amanhã”!
Ele tem que acordar cedo, não iria atrapalhar o seu sono por causa de ‘sabe se lá o que’. Mas o sono dela, quem estava se preocupando com isso? Ninguém, pois ela nunca disse para ninguém que não estava feliz naquele mundinho perfeito.
“Está tudo bem, porque eu não estaria feliz”?
Ela repetia isso em sua cabeça, como um mantra até o sono voltar a consumir seu cérebro, que já estava perdendo suas funções básicas por falta de descanso. Respirou fundo e olhou para trás com um sorrido bobo no rosto.
Não ele não veio.
Mas a semana estava para começar novamente.
“Não tenho tempo para pensar nisso, amanhã tenho que trabalhar. Lembrar de tirar o frango do congelador. Colocar as roupas para lavar. Ir para a academia”
Com mais um respirar profundo, foi ao banheiro e voltou para o quarto em silêncio.
“Amanhã”.